sexta-feira, maio 11

Mãe e filho

Nada era pior do que saber que a mãe não voltaria mais a andar. Ficava prostrada na cama, a doença arrancando-lhe o sorriso do rosto na pele sem cor. O momento de alívio era quando conseguia reconciliar o sono. Na rotina do medicamento, a agulha furava a veia do pulso, por onde o soro era levado para reforçar o sangue enfraquecido no sistema de defesa do corpo. O irmão trazia para junto da cama o suporte de aço com quatro pés com rodízios, o soro no tubo pendurado no gancho, descendo lentamente pela mangueira, gota a gota. Seguia lentamente para penetrar no corpo da mãe. O tempo enfadonho se repetia no corpo abatido, lambia os minutos demorados no quarto.

Edmund Adler
A moça que cuidava da mãe mudava seu corpo com cuidado, de um lado para o outro. Limpava as feridas com algodão embebido na água oxigenada. Tentava atenuar as dores nas costas por ter o corpo permanecido tanto tempo na mesma posição. A mãe acordava gemendo, as costas queimando, os olhos umedecidos.

Tentava consolá-la, não perdesse a fé em Deus, todos nós estávamos esperançosos de que um dia ela voltasse a andar com as suas pernas incansáveis, os passos seguros, dando vida ao corpo. Os dias voltariam ao ritmo normal, sua voz esbanjando afeto pelo apartamento, de suas mãos, até certo ponto divinas, chegariam até à mesa as comidas deliciosas, doces e bolos com confeito, como ela gostava de fazer para os dois filhos.

Como não lembrar os ensinamentos que na infância a mãe tanto lhe dera?

“Menino, já para dentro que vem o vento ventoso Levado, levando cisco! Menino, já para dentro! Boa romaria faz quem em sua casa está em paz”. E essas adivinhas: O que é, o que é, o ano todo no deserto o mais quente é? Responda certo, menino esperto. Como esquecer essa de pura carícia: Da noite o beijo. A melhor sombra de dia. Quem é?

Em tudo os dias tinham suas mãos zelosas. Colocava nos vasos aquelas rosas, como sonho na manhã esbanjavam pelos ares ternura. Davam vida à máquina de costura suas pernas ativas. Os bordados, beleza tecida por dedos cativantes, sempre admirados por quem visse.

Nada era pior do que saber que a mãe não voltaria mais a andar. O tempo usurpava sem dó a beleza da vida, embora não houvesse revolta enquanto durava a agonia. O amor por ela dobrava porque como filho ele sabia disso.

Cyro de Mattos

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