terça-feira, maio 22

Intimidade

Para mim esta é a melhor hora do dia — Ema disse, voltando do quarto dos meninos. — Com as crianças na cama, a casa fica tão sossegada.

— Só que já é noite — a amiga corrigiu, sem tirar os olhos da revista.

Ema agachou-se para recolher o quebra-cabeça esparramado pelo chão.

— É força de expressão, sua boba. O dia acaba quando eu vou dormir, isto é, o dia tem vinte e quatro horas e a semana tem sete dias, não está certo? — descobriu um sapato sob a poltrona. Pegou-o e, quase deitada no tapete, procurou o par embaixo dos outros móveis. — Não sei por que a empregada não reúne essas coisas antes de ir se deitar — empilhou os objetos no degrau da escada. — Afinal, é paga para isso, não acha?

— Às vezes é útil a gente fechar os olhos e fingir que não está notando os defeitos. Ela é boa babá, o que é mais importante.

Ema concordou. Era bom ter uma amiga tão experiente. Nem precisa ser da mesma idade — deixou-se cair no sofá — Bárbara, muito mais sábia. Examinou-a a ler: uma linha de luz dourada valorizava o perfil privilegiado. As duas eram tão inseparáveis quanto seus maridos, colegas de escritório. Até ter filhos juntas conseguiram, acreditasse quem quisesse. Tão gostoso, ambas no hospital. A semelhança física teria contribuído para o perfeito entendimento? "Imaginava que fossem irmãs", muitos diziam, o que sempre causava satisfação.

— O que está se passando nessa cabecinha? — Bárbara estranhou a amiga, só doente pararia quieta. Admirou-a: os cabelos soltos, caídos no rosto, escondiam os olhos cinza, azuis ou verdes, conforme o reflexo da roupa. De que cor estariam hoje? — inclinou-se — estão cinza.

Ema aprumou o corpo.

— Pensava que se nós morássemos numa casa grande, vocês e nós... Bárbara sorriu. Também ela uma vez tivera a idéia — pegou o isqueiro e acendeu dois cigarros, dando um a Ema, que agradeceu com o gesto habitual: aproximou o dedo indicador dos lábios e soltou um beijo no ar.

— As crianças brigariam o tempo todo.

Novamente a amiga tinha razão. Os filhos não se suportavam, discutiam por qualquer motivo, ciúme doentio de tudo. O que sombreava o relacionamento dos casais.

— Pelo menos podíamos morar mais perto, então.

Ema terminava o cigarro, que preguiça. Se o marido estivesse em casa seria obrigada a assistir à televisão, porque ele mal chegava, ia ligando o aparelho, ainda que soubesse que ela detestava sentar que nem múmia diante do aparelho — levantou-se, repelindo a lembrança. Preparou uma jarra de limonada. Por que todo aquele interesse de Bárbara na revista? Reformulou a pergunta em voz alta.

— Nada em especial. Uma pesquisa sobre o comportamento das crianças na escola, de como se modificam as personalidades longe dos pais.

No momento em que Ema depositava o refresco na mesa, ouviu-se um estalo.

— Porcaria, meu sutiã arrebentou.

— A alça?

— Deve ter sido o fecho — ergueu a blusa — veja.

Bárbara fez várias tentativas para fechá-lo.

— Não dá, quebrou pra valer.

Ema serviu a limonada. Depois, passou a mão pelo busto.

— Você acha que eu tenho seio demais?
— Claro que não. Os meus são maiores...

— Está brincando — Ema sorriu e bebeu o suco em goles curtos, ininterruptos.

— Duvida? Pode medir...

— De sutiã não vale — argumentou. — Vamos lá em cima. A gente se despe e compara — aproveitou a subida para recolher a desordem empilhada. Fazia questão de manter a casa impecável. Bárbara pensou que a amiga talvez tivesse um pouco de neurose com arrumação.

Ema acendeu a luz do quarto.

— Comprou lençóis novos?

— Mamãe mandou de presente. Chegaram ontem. Esqueci de contar. Não são lindos?

— São.

— A velha tem gosto — Ema disse, enquanto se despia em frente ao espelho. Bárbara imitou-a.

É muito bonita — Ema reconheceu. Cintura fina, pele sedosa, busto rosado e um dorso infantil. Porém, ela não perdia em atributos, igualmente favorecida pela sorte. Louras e esguias, seriam modelos fotográficos, o que entendessem, em se tratando de usar o corpo — não é, Bárbara?

— Decididamente perdi o campeonato. Em matéria de tamanho os seus seios são maiores do que os meus — a outra admitiu, confrontando.

Carinhosa, Ema acariciou as costas da amiga, que sentiu um arrepio.

— O que não significa nada, de acordo? — deu-lhe um beijo.

— Credo, Ema, suas mãos estão geladas e com este calor...

— É má circulação.

— Coitadinha — Bárbara esfregou-as vigorosamente. — Você precisa fazer massagens e exercícios, assim — abria e fechava os dedos, esticando e contraindo na palma. — Experimente.

Eram tão raros os instantes de intimidade e tão bons. Conversaram sobre as crianças, os maridos, os filmes da semana. Davam-se maravilhosamente — Bárbara suspirou e se dirigiu à janela: viu telhados escuros e misteriosos. Ela adoraria ser invisível para entrar em todas as casas e devassar aquelas vidas estranhas. Costumava diminuir a marcha do carro nos pontos de ônibus e tentar adivinhar segredos nos rostos vagos das filas. Isso acontecia nos seus dias de tristeza. Alguma coisa em algum lugar, que ela nem suspeitava o que fosse, provocava nela uma sensação de tristeza inexplicável. Igual à que sente agora. Uma tristeza delicada, de quem está de luto. Por quê?

— Que horas são? — Ema escovava o cabelo.

— Imagine, onze horas. Tenho que sair correndo.

— Que pena. Não sei por que fui pensar em hora. Fique mais um pouco.

— É tarde, Ema. Tchau. Não precisa descer.

— Ora, Bárbara... deixa disso — levou a amiga até o portão.

— Boa noite, querida. Durma bem.

— Até amanhã.

Ema examinou atentamente a sala, a conferir, pela última vez, a arrumação geral. Reparou na bandeja esquecida sobre a mesa, mas não se incomodou. Queria um minutinho de... ela apreciava tanto a casa prestes a adormecer — apagou as luzes. A noite estava clara, cor de madrugada pensou, sentando no sofá. Um sentimento de liberdade interior brotava naquele silêncio. Um sentimento místico, meio alvoroçado, de alguém que, de repente, descobrisse que sabe voar. Por quê?

Edla van Steen

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