quarta-feira, janeiro 3

Coitado do Ano Novo

María Hesse
Eu não queria estar na pele de 2018. Não, eu não acho que vá ser um ano ruim não, ao contrário, sou uma mula empacada no otimismo. Mas vejo as pessoas depositando tanta esperança, exigindo tanto do pobre que ainda nem chegou direito – tenha dó, gente.

O gordo fala em perder 15 quilos (nada de pensar pequeno, achar que 3 já bastam, o ano que se vire). O endividado sonha com os números da Loteria da Virada. O torcedor há tanto tempo na fila, com o surgimento do craque. O encalhado no sentido literal, em viajar para 5 continentes, incluindo o Butão; o no sentido sentimental, em encontrar o Grande Amor, coisa que os últimos anos foram uns incompetentes ou insensíveis em arrumar.

Imagine a responsabilidade das 7 ondas. Das sementes de romã na carteira. Da sandália que aperta, mas é a única branca que você tem para calçar. Da calcinha vermelha. Das 12 uvas chupadas a cada badalada (aconteceu uma vez da pessoa engasgar, veja se pode algo terminar bem algo que começa assim?).

Onde foi parar tudo o que a gente desejou dezembro passado? E quando é que um ano deixa de ser esperança para virar apenas ano? Quando as pessoas se dão conta de que não basta torcer, é preciso viver, que, se não correr atrás, do céu é que não cai? Depois do Carnaval, quando não é mais época de manga ou quando termina o o horário de verão?

Também não entendo aqueles que, para saudar o novo, avacalham com o ano que passou. “Já vai tarde”, “aninho safado”, “afff que durou uns 18 meses”. Pode apostar que são as mesmas pessoas que, lá na frente, dirão: “ah, bom mesmo foi 2017. Aquele sim. Nem me fala que eu choro.”

Como se os anos ao final concorressem ao Oscar dos Anos, tivessem um julgamento como na apuração do desfile das Escolas de Samba. Quesito Empolgação: 7.3. Quesito Harmonia: 6.5. Quesito Eu Esperava Mais: deeez, nota deeez. O calendário vencedor seria emoldurado e pendurado na parede ao lado do relógio, para o tempo aprender como se faz.

Imagine você vir ao mundo já com esse fardo, a obrigação de ser essa coisa toda. Talvez seja esse o problema. Se a gente não criasse tanta expectativa, quem sabe ele chegaria mais leve, despretensioso. E assim, no susto, de surpresa, traria algo novo de verdade.

Uma amiga me contou que sua avó, descendente de italianos, honrava uma tradição de sua família: chegava à festa de Reveillon (em pleno verão brazuca) vestindo uns 8 casacos – pesados. No último minuto do ano, ela ia tirando um a um todos os casacos, até ficar só de saia, levinha de tudo, aliviada. Dizia que estava se desfazendo do peso que carregou o ano todo, suas alegrias, frustrações, perdas e ganhos, deixando o fardo para trás.

Não sugiro que você faça o mesmo. O calor anda demais e vestir tanto casaco pode fazer mal. Mas desejo que seu ano seja leve. Leve como uma promessa que não tem a menor obrigação de se cumprir. Como uma coisa muito boba e gozada que você viu pela janela, mas que de tão boba e gozada você nem vai se lembrar do ano em que aconteceu.

A você, um levíssimo 2018. Uma nuvem. Balão de gás. Pluma. Uma espuma.

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