segunda-feira, dezembro 4

Anatomia das segundas-feiras

Nada a ver com o rock homônimo que fez sucesso há tempos. Também não gosto das segundas-feiras e tenho excelentes motivos para isso. É o dia em que todos os chatos do mundo saem das tocas, infestam ruas, caminhos e vales da vida, é uma invasão, um "apocalypse now".

Depois de passarem o fim-de-semana constatando que precisam fazer alguma coisa -já que, até então, nada fizeram senão aborrecer os outros e a si mesmos-, eles tomam a férrea decisão de, a cada segunda-feira, iniciar o futuro que começa a cada dia, a cada semana e, em especial, a cada segunda-feira.


Essas sinistras resoluções nascem da fossa crepuscular do domingo. Tão logo o sol se levanta na segunda-feira decisiva (que são todas elas), eis que a turba se ergue dos túmulos da mediocridade existencial e sai à cata das oportunidades, da concretização dos propósitos. É na segunda-feira que todos os que ainda não chegaram lá se repõem em dia com velhos projetos, antigas ambições. Dessa vez vai. Ou melhor, dessa vez vão.

Vão é poluir a vida dos outros. Procuram amigos e ex-amigos, fazem sondagens no mercado, forçam coincidências.

Na terça-feira o entusiasmo diminui, acaba na quarta-feira, e no resto da semana tudo volta ao que era antes, exceto nas sextas-feiras, quando os mais insistentes buscam reatar os contactos, tentam um "replay", uma avaliação das possibilidades ameaçadas na segunda-feira. E forçosamente transferidas para a segunda-feira seguinte.

A sabedoria ancestral dos judeus ensina que não se deve começar nada de importante nas segundas-feiras. É o dia que os antigos dedicam à Lua, um cadáver astral que rola em torno da gente, inútil e deletério, que serve somente para influenciar as marés e o ciclo menstrual das mulheres.

Por tudo isso, acho que houve engano dos historiadores quando afirmam que Cabral avistou o Brasil num domingo. Deve ter sido numa segunda-feira.

Carlos Heitor Cony

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