quinta-feira, setembro 14

O dicionário

L'art d'écrire, planche. II de l'Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, 1762-1772, par Diderot et d'Alembert
Lendo um romance surge uma palavra inesperada, que me leva ao dicionário e à surpresa: no dicionário, a frase que serve de exemplo para o verbete é exatamente a mesma que eu lia no romance.

Não sou um homem que acredita em coincidências. Sou um tolo de voz fraca, que por maldade põe mais fé nos livros lidos que na rotina de sua vida. Confesso não querer interpretar o que vivi descrito no parágrafo lá em cima. Alguém talvez sorria, enxergando na coincidência uma trama de feliz destino, ter encontrado entre as palavras a sorte de uma vocação essencial. Outro leitor talvez me considere uma espécie de fanático, um dos que certamente inventam a coincidência, tentando achar para sua crônica um assunto.

Que sinistro.

Porém, o dicionário continua lá, com suas centenas de milhares de verbetes, brilhando para o fascínio das eras. Não posso reprovar a surpresa que preencheu naquela hora minha percepção do dicionário. Posso contar a história à minha moda, usando o alfabeto como instrumento de informação e aprendizado. Enquanto isso, interpreto as coincidências, as metáforas.

Eu gosto muito de dicionários. Se tivesse disposição o bastante, eu leria dicionários inteiros. Considero simplesmente incrível o trabalho de elaborar dicionários. De um instante para o outro, uma palavra qualquer vira verbete e o verbete adquire um significado. Esse significado fica registrado para todo o sempre, gravado como atestado de talento da palavra para a memória.

Mas dicionários não deixam de ser também submetidos de vez em quando ao teste do tempo. Fico imaginando como seja: suspeito que venha uma banca de especialistas, experimenta dar uma lida, uma boa examinada, depois decreta: o pobre dicionário deve ser revisto, quando não reescrito por completo. É uma responsabilidade. Quem nunca precisou estudar o sentido dessa ou daquela palavra boba?

Corretor ortográfico não resolve. Não se pode dizer que o caso está na precisão de escrever, ainda que se espere dos corretores ortográficos que em dado momento passem a escrever corretamente. O caso está na precisão do saber. Ou seja, na curiosidade de conhecer o vocabulário. Sem essa curiosidade não existiriam os dicionários.

Parece uma pesquisa reles. Garanto que não é.

Gosto inclusive de brincar com a palavra do dia, função que existe em dicionários para celulares. Abre-se o aplicativo grátis e surge como sugestão a palavra do dia. O jogo consiste em usar essa palavra quantas vezes conseguirmos no espaço de curtas vinte e quatro horas. Joga-se em grupo ou individualmente.

Eu comecei um dia com a palavra “euforia”.

Marco Antonio Marti

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