sábado, julho 1

Nos 200 anos da morte de Jane Austen, obra desperta leituras diversas

Todos os anos, entre 700 e 800 leitores de Jane Austen (1775-1817) se encontram em um hotel nos Estados Unidos ou no Canadá para falar sobre a autora e sua obra. Há conferências e leituras e, como manda o figurino, bailes – do qual todos participam, claro, vestidos como se estivessem na Inglaterra georgiana retratada nos livros de Austen.

Fãs mais ou menos fanáticos do que esses da Jane Austen Society of North America se espalham pelo mundo organizando clubes de leituras e noites de gala, tentando desvendar os mistérios da vida da inglesa ou apenas lendo seus livros e estudando cada detalhe das obras – há quem já tenha até se debruçado sobre a personalidade dos personagens, indicando o melhor floral de Bach para cada um deles. Isso tudo hoje, 200 anos depois de sua morte.

Se, no entanto, você é um pouco cínico, antissocial ou alguma coisa do gênero, a chuva também é a sua melhor companhia.


Mãe da literatura chicklit. Autora que antecipou questões feministas e denunciou problemas sociais e políticos. Há muitas Janes Austen, e há muitas formas de ler seus livros.

“Quando li pela primeira vez, eu era uma garotinha do Ensino Médio e o que eu mais gostei foram as vidas amorosas e os problemas das jovens heroínas. Eu ainda gosto de suas heroínas, mas o enredo é a parte menos interessante para mim agora”, conta Karen Joy Fowles, autora do best-seller O Clube de Leitura de Jane Austen, que virou filme no final dos anos 2000 e só agora chega às livrarias brasileiras pela Rocco.

Já na faculdade, sua leitura foi mais pelo viés feminista, focado nas limitadas oportunidades para as mulheres e em suas vidas constritas. Quando se tornou mãe, o que chamou sua atenção foram as relações familiares e os momentos de lazer e diversão que eles dividiam. “E assim vai. Eu ainda não terminei com ela e ela não terminou comigo”, brinca a escritora americana.

É a voz de Jane Austen em livros como Orgulho e Preconceito, Razão e Sentimento e Emma o que encanta Fowles. “É como um truque de mágica: você sente a presença dela tão forte e, ainda assim, ela não entrega nada de si. Você passa 300 páginas de intimidade com ela e não descobre nada, exceto que ela tinha um olhar e uma mente afiados. Além disso, ninguém é mais engraçado do que ela.”

Ivo Barroso, um dos principais tradutores de Jane Austen no País, também destaca a voz da autora e conta que seu maior desafio ao verter Razão e Sentimento, seu primeiro, Emma e Novelas Inacabadas, todos publicados pela Nova Fronteira, foi encontrar sua linguagem. “A linguagem dela parece facílima, normal, corriqueira, mas ela é caprichosa na escolha da palavra e no ritmo da frase. Quando comecei, vi que eu não estava fazendo a tradução de um romancezinho qualquer, uma mera novelinha para mocinhas de colégio, mas, sim, de uma obra-prima de uma grande escritora”, conta.

Barroso destaca, ainda, o domínio que Austen tem sobre as frases. “Elas são grandes sem ser cansativas e têm o dom da elasticidade. São muito ricas em vocabulário.” A autora tem uma especial predileção por Charles Dickens e Walter Scott, mas não imita nenhum dos dois, tendo criado uma coisa dela com base na experiência desses autores, Barroso explica.

Fã fanático, como se intitula desde que a leu pela primeira vez na década de 1990, o tradutor defende que o interessante está além da história. “Se você faz um copidesque da obra de Jane Austen, acaba fazendo uma novelinha boba. Mas se mantiver todos os ingredientes estilísticos você terá a obra original dela, muito boa e de grande valor.”

Uma grande autora, mas de temas limitados. Como lembra o tradutor, ela vivia praticamente com a irmã e com alguns sobrinhos, para quem fazia teatrinho. “Resultado: o grande tema de todos os livros dela é casamento. Uma mulher jovem louca para arrumar um marido. Quando encontra, o romance sempre termina porque não tem mais nada o que dizer.” Mesmo a considerando limitada em seus temas, ele comenta que essa busca desesperada é diferente em cada um dos livros, e muito bem trabalhada.

Essas histórias de amor, as capas cor de rosa e a ideia de que se tratam de livros femininos são fatores que podem atrapalhar a recepção da obra por um público mais amplo, interessado em boa literatura. Mas, ao mesmo tempo, podem responder à demanda de uma legião de leitores ávidos por uma boa história romântica.

Só a L&PM, que tem oito títulos de Jane Austen no formato bolso em catálogo, calcula que tenha vendido 100 mil exemplares ao longo dos anos. Razão e Sentimento na tradução de Ivo Barroso para a Nova Fronteira já está na 10.ª edição – e sai agora em box comemorativo ao lado de Emma e Orgulho e Preconceito.

Em domínio público há mais de um século, seus livros estão disponíveis nas livrarias por editoras diversas e inspiram autores da nova geração, que escrevem livros baseados nos títulos de Austen ou usam a autora como personagem, misturando ficção e realidade – um exemplo é Jane Austen Roubou Meu Namorado, de Cora Harrison, também lançamento da Rocco.

Para os interessados na vida da autora, a dica é esperar A Verdadeira Jane Austen – Uma Vida em Detalhes, biografia escrita por Paula Byrne e traduzida por Rodrigo Breunig, tradutor também das obras de Austen. Deve sair ainda este ano pela L&PM.

Na opinião de Ivo Barroso, Jane Austen não envelhece. E por quê? “Ela é ótima de ler. Você pega o livro e fica doido pra saber o que vai acontecer. É igual à novela de televisão, que bebeu muito em Jane Austen. Aquilo está mais ou menos manjado, você sabe o que vai acontecer, mas quer saber como é que aconteceu”, diz o tradutor responsável, também, por verter para o português obras de Shakespeare e Rimbaud, entre outros.

Para Karen Joy Foyles, ainda há muita gente que não leu Jane Austen, mas viu as adaptações cinematográficas e, por isso, pensa nela como uma autora de romances água com açúcar. “Mas à medida que envelhecemos ela parece mais subversiva. Muitas das técnicas novelísticas que parecem corriqueiras hoje são coisas que ela inventou e o resto de nós só imitou. Ela é realmente extraordinária e desafia qualquer explicação.”

Jane Austen nasceu em 16 de dezembro de 1775 e morreu 41 anos depois, em 18 de julho de 1817. Os mistérios acerca de sua história – forjou a certidão de dois casamentos?, morreu envenenada por arsênico?, para citar duas notícias recentes – seguem intrigando seus leitores e pesquisadores.

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