sexta-feira, julho 7

Inventar no inventado

Inventar no inventado, lembram-me do poeta e professor Vitorino Nemésio. Encontrei-me com ele algumas vezes na televisão portuguesa quando eu era bem pequena. Lá, sentada na frente da TV, ouvia-o, a imagem a preto e branco cheia de gestos fantásticos e olhares marotos, ele contava histórias da literatura, da história da humanidade e algumas vezes lembro-me de ele falar em poesia com umas palavras tão especiais que me marcaram para sempre.

Constança Lucas

Lia romances, aventuras dos cinco, dos sete e das baleias e de tudo o que aparecia na frente. Assim, depois nos meus 12, 13 anos, a poesia começou a ser parte integrante das minhas leituras que aconteciam pelo prazer. Lia sentida, bebia cada palavra com paixão numa embriaguez doce de palavras e sentimentos, lia sem grande critério, mas sempre quando me apetecia sem censuras. Borges dizia que ler é ler sem se importar com o quê. Com o tempo aprendemos a selecionar e a escolher, mas o importante é o prazer na leitura, sempre me pareceu a melhor forma de ver a leitura.

Somos resultado das leituras que fazemos e dos recursos anteriores de criação, neles fazemos as nossas invenções que nos levam por caminhos de palavras amadurecidas apanhadas como se fossem deliciosos frutos.

A leitura faz-se num saborear de paladares e odores, de sentires e dores, é uma companhia repartida e sempre presente. Recriamos os textos e imagens que lemos e relemos com o passar dos anos e assim fazem parte das nossas vidas como o afeto dos amigos.

Sempre me fascinei ao folhear alguns livros de arte que havia em casa dos meus pais, alguns em alemão ou inglês, mas o importante era as fotografias de pinturas e gravuras, o meu primeiro contato com Goya, Velasquez, Renoir, Delacroix, foi através desses livros que o meu pai tinha na estante do escritório dele em nossa casa, à qual tinha acesso livre, e hoje estão comigo quase todos. O impacto que produziu dentro de mim só é igual ao que hoje tenho ao criar um poema ou uma pintura.

A minha casa e o meu atelier têm grande parte dos seus espaços ocupados por livros que amo e convivo e sem os quais seria mais triste viver. Não imagino o meu mundo sem um pedaço de papel para desenhar, para escrever e para ler.

Constança Lucas,  'Eu, leitor, confesso", Abecês, n° 6- artista plástica

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