sábado, julho 1

Escritoras brasileiras esquecidas da virada dos séculos XIX e XX

Júlia Lopes de Almeida publicou, entre 1909 e 1912, a coluna semanal “Dois dedos de prosa” no influente jornal carioca “O Paiz”. Na época, ela já tinha lançado os romances “Memórias de Martha”, de 1888, e sua obra mais importante, “A falência”, em 1901. No final do século XIX, fez parte do grupo de intelectuais que fundou a Academia Brasileira de Letras (ABL), em julho de 1897. Apesar de seu nome constar na lista publicada pelo futuro acadêmico Lúcio Mendonça em “O Estado de S. Paulo”, seis meses antes da fundação da casa, ela foi preterida por ser mulher, e sua vaga ficou com seu marido, o poeta Filinto de Almeida. Seu nome foi, assim, apagado da história da literatura brasileira, junto aos de outras importantes escritoras do final do século XIX e o início do XX.

Júlia Lopes de Almeida, que participou da criação da ABL
mas não pode assumir uma cadeira por ser mulher
Aos poucos, mulheres como Júlia (1862-1934), Albertina Bertha (1880-1953) e Narcisa Amália (1852-1924) vão sendo resgatadas do esquecimento a que foram relegadas. Júlia será tema da conferência do escritor Luiz Ruffato, “Todos contra Júlia!”, na próxima terça-feira, às 17h30m, na ABL, na abertura do ciclo “Cadeira 41”, sobre grandes autores ausentes da Casa de Machado de Assis (leia abaixo). No fim deste mês, a Fundação Biblioteca Nacional (FBN) lança “Dois dedos de prosa: o cotidiano carioca por Júlia Lopes de Almeida”, na série Cadernos da Biblioteca Nacional, uma reunião de crônicas publicadas em “O Paiz” organizada por Angela di Stasio, Anna Faedrich e Marcus Venicio Ribeiro. Também neste mês será lançado “Nebulosas”, de Narcisa Amália, uma coedição da Editora Gradiva com a FBN. Os livros vêm se somar à reedição, em 2015, do romance “Exaltação” (Gradiva/FBN), de Albertina Bertha. Os dois últimos são organizados por Anna Faedrich.

Ruffato ressalta que não se trata de valorizar Júlia pelo fato de ela ser mulher, mas sim pela sua qualidade literária. O escritor conta que descobriu a obra da autora na década de 1980, quando estudava em Juiz de Fora (MG). Encantado pelo romance “A falência”, que trata do surgimento da burguesia comercial brasileira no início da República, Ruffato iniciou uma busca por outros livros de Júlia e, na década de 1990, colaborou em reedições feitas pela Editora Mulheres, que fechou após a morte de sua fundadora, Zahidé Muzart.

— Júlia é uma autora magnífica. Não é nenhum favor resgatá-la. Ela é um caso absurdo de escritora que não está no cânone literário por puro machismo. Ela é muito superior à grande maioria dos autores de sua época. Os únicos que se equipararam naquele momento são Aluísio Azevedo e Lima Barreto — afirma Ruffato.

Anna Faedrich foi pesquisadora residente na Biblioteca Nacional, onde coordenou uma pesquisa sobre Júlia, Albertina e Narcisa. Para Anna, ao serem excluídas das obras de história da literatura brasileira, essas mulheres foram esquecidas. Ela lembra que o cânone do Romantismo brasileiro só tem homens, como Gonçalves Dias e José de Alencar, apesar da importância de autoras como Narcisa Amália, uma poeta que dialogou com as três gerações do movimento.

— Os professores não sabem da existência dessas escritoras. Mesmo na universidade, reproduz-se o cânone do Romantismo, onde se acredita que as mulheres não eram educadas, eram todas analfabetas. Mas a culpa não é do professor. Um grande passo é reescrever essa história da literatura e inserir essas autoras em diálogo com outros escritores — explica Anna. — Essas mulheres escreviam, publicavam, faziam conferências e dialogavam com os homens, e mesmo assim não temos notícias delas. Toda história da literatura é escrita a partir da anterior, reproduzindo um discurso excludente.

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