terça-feira, julho 25

Assim começa o livro...

Certa manhã, um jovem rapaz de aspecto infantil entrou numa livraria e pediu que o apresentassem ao proprietário. Seu desejo foi atendido. O livreiro, um velho de aparência muito distinta, olhou bem para a figura algo tímida à sua frente e a exortou a dizer a que vinha: “Quero ser livreiro”, disse o jovem principiante, “esse é meu anseio e não sei o que poderia me impedir de pôr em prática meu propósito. Sempre imaginei o comércio de livros como coisa encantadora e não entendo por que tenho continuamente de me consumir à margem dessa atividade tão adorável e bela. Veja, meu senhor, julgo-me, assim como ora me apresento aqui, extraordinariamente apto a vender os livros
deste seu estabelecimento, tantos quantos o senhor possa sonhar vender. Sou vendedor nato: galante, ágil, gentil, rápido, de poucas palavras, decidido, calculista, atento e honesto, mas de uma honestidade não tão tola como a que talvez aparente. Sei baixar preços, se me vejo diante de um pobre-diabo, de um estudante, mas sei também elevá-los, a fim de prestar um favor aos ricos, porque suponho que eles por vezes nem saibam o que fazer com seu dinheiro. Apesar de tão jovem, acredito possuir algum conhecimento dos seres humanos e, além disso, amo as pessoas, por mais diversas que elas sejam; portanto, jamais vou pôr esse meu conhecimento dos seres humanos a serviço do engodo, assim como tampouco me ocorre pôr em risco este seu valoroso estabelecimento em razão de uma consideração exagerada para com certos pobres-diabos. Em suma, na balança do comércio, meu amor pelas pessoas há de se equilibrar harmonicamente com o tino para os negócios, de igual peso e, para mim, tão necessário à vida como uma alma repleta de amor: hei de praticar a mais perfeita moderação, isso posso lhe assegurar desde já”. O livreiro olhou atento e admirado para o rapaz. Parecia estar em dúvida quanto à impressão que lhe causava seu bem-falante interlocutor, se boa ou má. Não sabia bem, o rapaz de certo modo o confundia e, do fundo dessa perplexidade, perguntou com delicadeza: “Posso, então, meu jovem rapaz, colher informações a seu respeito junto às fontes apropriadas?”. O interlocutor respondeu: “Fontes apropriadas? Não sei o que o senhor chama de ‘fonte apropriada’! Adequado pareceria a mim que o senhor não colhesse informação nenhuma. A quem o senhor pediria informações e que utilidade isso teria? As pessoas diriam todo tipo de coisas a meu respeito; isso bastaria para tranquilizá-lo no tocante a minha pessoa? O que saberia o senhor a meu respeito se lhe dissessem, por exemplo, que provenho de muito boa família, que meu pai é um homem de respeito, que meus irmãos são gente laboriosa e promissora, que eu próprio posso ser muito útil — um tanto volúvel, talvez, mas capaz de suscitar esperanças —, que um pouco as pessoas podem, sim, confiar em mim, e assim por diante? No fundo, nada ficaria sabendo a meu respeito, nem teria o menor motivo para, mais tranquilo, me acolher como vendedor em seu estabelecimento. Não, meu senhor, colher informações é coisa que em geral não vale um tostão furado; se me é lícito dar um conselho a alguém mais velho como o senhor, eu decididamente o desaconselho a fazê-lo, porque sei que, tivesse eu por tendência ou natureza o desejo de enganá-lo e de, portanto, frustrar as esperanças que o senhor depositaria em mim com base nas informações recebidas, eu o faria em tanto maior medida quanto melhor o resultado dessas ditas investigações, as quais seriam, então, mentirosas, porque só diriam coisas boas a meu respeito. Não, estimado senhor, se pensa em me empregar, eu lhe peço que demonstre mais coragem que a maioria dos demais patrões com os quais já lidei e que me contrate baseado simplesmente na impressão que ora lhe causo. Ademais, para dizê-lo com absoluta sinceridade, informações colhidas a meu respeito diriam apenas coisas ruins”.

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