sexta-feira, junho 9

Diário do desamparo

Repare bem. Não é só o tempo que anda estranho, a mídia que se fez tirana, a falta de esperança. As pessoas refletem tudo isso, como espelhos do caos. Amores desmoronam, planos são adiados, a alegria rareia e já não se joga conversa fora, com tanta pressão. Somos sobreviventes, famintos de dias melhores, quixotes combatendo moinhos.

Borboletas e poetas refugiam-se na beleza das flores, nos sabores adocicados, no ar fresco das manhãs. À noite, desaparecem discretamente. Mas pessoas comuns estão sempre à mercê dos fantasmas, que se divertem agitando as bandeiras do desemprego, das dívidas, da fome, da solidão, diante de olhos arregalados de pavor.

Cada cual tiene su universo lector (ilustración de István Orosz)
István Orosz
O futuro não se mostra, escondido por densa neblina. E não temos o que oferecer aos descendentes: cresce a poluição no ar, na terra, nas águas; minguam as oportunidades de progresso; valores são só uma palavra usada à exaustão; baixam os níveis na educação e na cultura; a verdade tornou-se ainda mais relativa. Nesse vasto deserto, onde encontrar um oásis?

Os templos estão cada vez mais lotados de fieis à espera de um milagre. Aumenta o número de suicídios e crimes de morte. A terceira guerra mundial é uma possibilidade crescente, uma bolha a eclodir a qualquer momento, sujeita à loucura e à ambição dos poderosos. Escreveremos com sangue a próxima bíblia?

A fantasia, o lazer, a fraternidade encolheram-se nos cantos, enquanto a barbárie de muitas faces toma conta dos salões. Não, não é um pesadelo. Não temos nem mesmo o benefício de acordar.

Madô Martins

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