sexta-feira, maio 12

Assim começa o livro...

Esta é a história da vida e dos sonhos de Mevlut Karataş, vendedor de boza e de iogurte. Nascido em 1957 na fronteira ocidental da Ásia, numa aldeia pobre que dava para um lago enevoado da Anatólia Central, aos doze anos foi para Istambul, a capital do mundo, onde passou o resto da vida. Quando tinha vinte e cinco anos, voltou para a província natal e de lá fugiu com uma jovem, num estranho episódio que determinou o curso de seus dias. Voltou para Istambul, casou-se, teve duas filhas e se pôs a trabalhar sem descanso — vendeu iogurte, sorvete e arroz como ambulante, e exerceu o ofício de garçom. Mas à noite nunca deixou de perambular pelas ruas de Istambul, vendendo boza e sonhando sonhos estranhos.

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Nosso herói Mevlut era bem-apessoado, alto, forte mas esbelto. Tinha um rosto pueril, cabelos castanho-claros, olhos vivazes e inteligentes, uma combinação que despertava sentimentos ternos nas mulheres. O espírito de menino, que Mevlut manteve mesmo depois dos quarenta, e o efeito que produzia nas mulheres eram dois de seus traços fundamentais, e será útil vez por outra lembrá-los aos leitores, para ajudar a explicar alguns aspectos da história. Quanto ao otimismo e à cordialidade, que alguns chamariam ingenuidade, não será preciso evocá-los, pois que evidentes. Se, como eu, meus leitores tivessem conhecido Mevlut, iriam entender por que as mulheres nele admiravam a beleza de menino, e veriam que não exagero só para impressionar. Com efeito, aproveito a oportunidade para ressaltar que não há exagero em parte alguma deste livro, que é totalmente baseado numa história real; vou contar alguns acontecimentos insólitos que ocorreram, limitando-me a organizá- los de modo a permitir que meus leitores os acompanhem e os entendam com mais facilidade.

Assim, para melhor narrar a história e os sonhos do nosso protagonista, vou começar pelo meio, a partir do dia em que Mevlut fugiu com uma garota da aldeia de Gümüşdere (ligada ao distrito de Beyşehir, na província de Konya e vizinha da aldeia dele), em junho de 1982. A primeira vez que Mevlut viu a moça com quem mais tarde fugiria foi em 1978, no casamento de Korkut, o filho mais velho de seu tio, celebrado no bairro de Mecidiyeköy, em Istambul. Ele mal podia acreditar que aquela jovem, então com treze anos — ainda uma menina —, poderia corresponder a seus sentimentos. Ela era a irmã caçula da noiva de seu primo Korkut, e até então nunca havia pisado em Istambul. Depois disso, por três anos Mevlut lhe escreveu cartas de amor. A jovem nunca respondeu, mas Süleyman — o irmão caçula de Korkut —, que era o portador das cartas, enchia Mevlut de esperança e o estimulava a insistir.

Agora Süleyman ajudava de novo seu primo Mevlut, dessa vez a raptar a jovem. Ao volante de sua caminhonete Ford, Süleyman levou Mevlut à aldeia de sua infância. Os primos haviam bolado um plano de fuga para despistar as pessoas: Süleyman os esperaria num lugar que ficava a uma hora de Gümüşdere, e todos iriam imaginar que os dois pombinhos haviam fugido para Beyşehir. Süleyman, porém, os levaria para o norte, além das montanhas, e os deixaria na estação ferroviária de Akşehir.

Mevlut repassou o plano mentalmente inúmeras vezes e fez duas incursões
secretas de reconhecimento a lugares importantes como a fonte fria, o riacho estreito, a colina coberta de matas e o quintal da casa da jovem. Meia hora antes do combinado, ele passou pelo cemitério da aldeia, que ficava no caminho, contemplou as lápides e rezou a Deus para que tudo desse certo. Embora relutasse em admitir, não confiava muito no primo. E se Süleyman não levasse a caminhonete até o local combinado, perto da fonte? Mevlut procurava não pensar muito nisso — aqueles temores em nada o ajudariam.

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