quarta-feira, abril 12

Assim começa o livro...

Aqui se aprende muito pouco, faltam professores, e nós, rapazes do Instituto Benjamenta, vamos dar em nada, ou seja, seremos, todos, coisa muito pequena e secundária em nossa vida futura. As aulas a que assistimos visam sobretudo a inculcar-nos paciência e obediência, duas qualidades que ensejam pouco ou mesmo nenhum sucesso. Sucessos interiores, sim. Mas o que se ganha com eles? Conquistas interiores porven tura nos dão de comer? Eu gostaria muito de ser rico, andar por aí em caleches e gastar um bocado de dinheiro. Conversei sobre isso com Kraus, meu colega de instituto, mas ele só fez encolher os ombros com desdém, não se dignando dirigir-me sequer uma única palavra. Kraus é possuidor de princípios; firme na sela, cavalga a satisfação, montaria inadequada a quem deseja galopar. Tão logo cheguei aqui, ao Instituto Benjamenta, consegui transformar-me num enigma para mim mesmo. Também a mim contagiou certa satisfação, bastante curiosa e, no meu caso, inédita. Obedeço razoavelmente bem, não tão bem como Kraus, que é mestre em precipitar-se de cabeça ao 8 encontro das ordens, pronto a servir. Num ponto, nós todos — Kraus, Schacht, Schilinski, Fuchs, o grandão do Peter, eu etc., alunos do Instituto Benjamenta — nos igualamos, a saber: em nossa total pobreza e dependência. Somos pequenos, peque‑ nos até a insignificância. Quem quer que possua uma nota de um marco é já considerado um príncipe favorecido. Quem fuma cigarros, como eu, desperta preocupação em virtude do dinheiro que esbanja. Vestimos uniformes. Usar uniforme é algo que, a um só tempo, nos humilha e enobrece. Parecemos pessoas privadas de liberdade, o que talvez constitua humilhação, mas ficamos bem de uniforme, e isso nos distancia da vergonha profunda dos que andam por aí em trajes mais que próprios e no entanto sujos e esfarrapados. Para mim, por exemplo, vestir uniforme é muito agradável, porque nunca soube ao certo que roupa usar. Também nisso, porém, sou, por enquanto, um enigma para mim mesmo. Talvez abrigue um ser humano bastante vulgar. Ou talvez corra sangue aristocrático em minhas veias. Não sei. De uma coisa tenho certeza: no futuro, o que vou ser é um zero à esquerda, muito redondo e encantador. Na velhice, terei de servir a jovens grosseirões, arrogantes e mal-educados; do contrário, vou precisar mendigar para não perecer. 

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