quarta-feira, novembro 2

Literatura para os excluídos


Na entrada do Complexo de São Carlos, no Rio de Janeiro, num início de tarde, vários adolescentes voltam da escola com os olhos pregados em seus celulares. Não é fácil desviar a atenção dos jovens da tela. Mas esse é o objetivo do presidente da Associação de Moradores, Pedro Paulo Ferreira. E ele quer fazer isso com livros.

"A leitura abre portas para vários caminhos de raciocínio e aprendizado”, diz ele, sentado sob uma foto da escritora Nélida Piñon, que dá nome à biblioteca comunitária inaugurada no ano passado. "É muito difícil, hoje, competir com os smartphones, as redes sociais, os computadores, mas é isso que estamos tentando fazer." O Festival da Pipoca e a Feijoada Literária são alguns dos eventos planejados por Ferreira para atrair crianças e adultos.

A biblioteca de 5 mil volumes faz parte do projeto Alegria de Ler – Sala de leitura, do Instituto Oldemburg de Desenvolvimento, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que tem 840 bibliotecas comunitárias instaladas em 24 estados do país, todas elas voltadas para comunidades carentes, população carcerária e menores infratores. A ideia é garantir, por meio da leitura, instrumentos para a inclusão social de pessoas que vivem à margem da sociedade.

"Hoje, abastecemos escolas públicas, mas atendemos também instituições de jovens em processo socioeducativo. Eles poderão usar o livro e a leitura como ferramenta de inserção social”, explica a presidente do Instituto Oldemburg de Desenvolvimento, Cristina Oldemburg.

Diferentemente do que acontece nas escolas, a cooptação de internos para a leitura é mais fácil. "Numa unidade dessas, os meninos não têm celular; tudo o que eles têm é tempo. É mais fácil convencer um menino desse a ler do que um jovem de classe média”, diz ela.

Segundo Cristina, é possível trabalhar diferentes conceitos e mensagens por meio dos livros, de forma lúdica. O pequeno príncipe, de Saint-Exupéry, por exemplo, é a dica para se falar sobre companheirismo. O menino do dedo verde, de Maurice Druon, é uma referência para discutir ecologia; enquanto Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, é perfeito para o debate sobre a liberdade.

Mas não é só isso. "No caso das instituições de ressocialização de jovens, a intenção é transformar o livro numa importante ferramenta de aproximação e de relacionamento entre os agentes socioeducativos e os internos”. Isso ocorre, segundo Cristina, porque as bibliotecas são abertas aos internos, mas também a seus parentes e aos funcionários da instituição.

No Complexo de São Carlos, os livros mais procurados são de sociologia e geopolítica – geralmente por moradores que estão cursando a universidade – e, claro, os best-sellers para adolescentes, como Harry Potter. Os livros infantis também têm muita procura.
Nas instituições de menores infratores, Cristina conta que também são muito populares os livros que, de certa forma, tratam de realidades de vida similares às dos internos, como Vidas secas, de Graciliano Ramos, e Menino de engenho, de José Lins do Rego, entre outros clássicos da literatura nacional.

Desde a sua criação, em 2003, o projeto já disponibilizou 840 mil títulos de autores nacionais e internacionais e livros de ciências sociais, história, desenvolvimento pessoal, artes, filosofia e esporte, entre outros.

"Além de entregarmos um acervo que atende a várias áreas de interesse, motivamos e engajamos o gestor público, que é o grande protagonista da ação. Capacitamos agentes de leitura selecionados na comunidade para serem divulgadores e incentivadores do projeto", explica Cristina.

Ela ressalta que são feitas oficinas com contadores de histórias e de produção literária junto aos agentes de leitura, professores e pedagogos das instituições. "Promovemos o acervo e o autor homenageado da Sala, cuja a obra completa fará parte do acervo".
Fonte: Deutschwelle

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