quinta-feira, outubro 27

Assim começa o livro...

Resultado de imagem para a casa do silencio
O jantar está servido, Madame. Queira pôr-se à mesa.” Ela não disse nada. Continuava imóvel, apoiada em sua bengala. Fui pegá-la pelo braço, ajudei-a a se sentar. Ela se contentou em resmungar sei lá o quê. Desci para buscar sua bandeja na cozinha, coloquei-a à sua frente. Correu os olhos por ela, sem tocar em nada. Foi quando estendeu o pescoço dizendo alguma coisa por entre os dentes que me dei conta, peguei seu guardanapo, amarrei-o abaixo das suas imensas orelhas, estendendo os braços.

“O que você fez para esta noite?”, ela perguntou. “Vamos ver o que você inventou.”

“Berinjela ao forno”, disse eu. “Foi o que a senhora me pediu ontem.”

“A mesma coisa do almoço?”

Empurrei o prato para diante dela. Ela pegou o garfo, enfiou-o numa berinjela continuando a resmungar. Depois de ter remexido longamente a comida, decidiu-se a comer.

“Aqui está a salada, Madame”, falei e saí. Voltei à cozinha, me servi de uma berinjela, sentei e comecei a comer.

“O sal! Cadê o sal, Recep?”

Subi e vi que o saleiro estava ali, ao alcance de sua mão.

“Está aqui!”

“Que novidade é essa? Por que você vai para dentro enquanto janto?”

Não respondi.

“Eles não vão chegar amanhã?”

“Vão sim, Madame, vão chegar”, falei. “Não vai pôr sal?”

“Não se meta onde não é chamado! Afinal, eles vão chegar amanhã ou não vão?”, disse ela.

“Vão estar aqui por volta do meio-dia”, respondi. “Foi o que disseram no telefone…”

“O que mais tem para comer?”

Levei a metade da berinjela, pus os feijões com cuidado num prato limpo. Quando ela começou a brincar com os feijões fazendo cara de nojo, saí e fui me sentar para comer. Passado um instante, ela me pediu a pimenta-do--reino, mas fingi não ter ouvido. Depois pediu frutas, voltei lá, empurrei a fruteira para diante dela. Seus dedos finos, ossudos, foram e vieram nos pêssegos, lentamente, como uma aranha já sem forças. Por fim se imobilizaram.

“Estão estragados! Onde achou esses pêssegos? Deve ter apanhado tudo do chão, ao pé das árvores.”

“Não estão estragados, Madame”, falei. “Estão bem maduros. São os melhores que consegui achar. Comprei-os no fruteiro. A senhora sabe que não tem mais nenhum pessegueiro por aqui.”

Ela fingiu não ouvir e escolheu um pêssego. Tornei a sair. Mal tive tempo de comer meus feijões:

“Desamarre isto!”, ela gritou. “Recep, onde você se meteu, venha tirar meu guardanapo!”

Fui correndo. Estendi a mão para o guardanapo e percebi que ela tinha deixado no prato metade do pêssego.

“Quer damasco, Madame? Senão a senhora vai me acordar no meio da noite dizendo que está com fome.”

“Muito obrigada!”, disse ela. “Ainda não estou gagá para comer estas porcarias. Tire o guardanapo.”

Levantei-me na ponta dos pés para desatar o nó, ela limpou a boca fazendo uma careta, depois seus lábios se moveram como se ela murmurasse uma prece. Levantou-se.

“Me leve para cima!”

Pôs a mão no meu ombro, fomos para a escada. No nono degrau, paramos para tomar fôlego.

“Arrumou os quartos deles?”, perguntou, ofegante.

“Arrumei.”

“Muito bem, então vamos”, disse ela, apoiando-se ainda mais em mim.

Voltamos a subir.

“Dezenove! Graças a Alá!”, disse ela, e entrou em seu quarto.

“Não se esqueça de acender o abajur”, eu lhe disse. “Vou ao cinema.”

“Ao cinema!”, fez ela. “Um homem da sua idade! Não volte tarde.”

Desci, terminei meu feijão e lavei a louça. Tirei o avental, já estava com a gravata por baixo dele. Só precisei pegar o paletó, conferi se a carteira estava no bolso. Saí.

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