quinta-feira, setembro 29

A sopa de Neil Gaiman

Numa entrevista para o Estadão no começo deste mês, Neil Gaiman, questionado sobre a importância de suas antigas referências literárias, disse que hoje se sente uma sopa, com gosto de sopa. Que os autores que o influenciaram, um dia, tornaram-se ingredientes de um caldo, agora, com sabor próprio. Para Gaiman, há um momento na vida de um escritor em que ele consegue isso, ter um sabor seu e não de outro.

A metáfora vem a calhar em tempos de mil e um cursos e concursos de culinária, cada candidato investindo bravamente na originalidade do seu prato. Mas claro que nem tudo é uma questão de juntar tomate com batata, cenoura com mandioca. Nem as referências que um ficcionista tem são puramente legumes que se misturam num caldo. Cada autor de referência é também, por sua vez, uma mistura, mais ou menos saborosa, mais bem conseguida ou frustrada dependendo não desses ou daqueles ingredientes senão do modo com que são cozidos e dosados.

Uma questão de mãos e olhos, diria a sabedoria da avó, que sempre teve seus segredos de cozinha. Uma questão de manejo com o fogo, de intuição na escolha e quantidade dos temperos. Nem os mais refinados ingredientes (que, no fundo, são os da vida) bastam se faltar isso que foge às receitas. E mesmo que a avó nos guie no passo a passo com a maior das paciências, com sua autoridade de décadas de experiência, mesmo que seja um prato aparentemente muito simples, seu sabor continua a resultar de um segredo. Uma questão de ciência dos sentidos. De volúpia da língua. Regalo. Oferenda.

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