quarta-feira, junho 8

No pátio interno do claustro de cada um

Felix von Kuensberg
Felix von Kuensberg
Cada um com seu canteiro de poemas impublicáveis. Poemas satíricos, líricos, grotescos, herméticos, místicos, épicos, pornográficos. Poemas como uma maneira de chamar certos segredos que por direito compõem a matéria da intimidade de cada um, como um jardim no pátio interno de um claustro. Ninguém além de seu dono precisa saber a verdade que lá está plantada, camélia, jasmim, cacto, papoula, jurema, mandrágora, ou mesmo só pedregulhos num espaço todo cimentado. E se o dono não der fim ao que existe ali antes que já não possa cuidar desse jardim por conta própria, então, o que era um poema impublicável, flor de valeriana ou flor de maio, passará de mão em mão, de boca em boca, fazendo publicamente rever a vida e a reputação do seu íntimo proprietário. Muitas vezes, nem é preciso esperar tanto. São milhares de enxeridos por aí que se infiltram pelo olho da fechadura, que vasculham onde não são chamados e encontram o que não é de sua alçada. E que surpresa vergonhosa, que espantosa armadilha, quando o que encontram esses olhos curiosos não é uma coleção de armas nem um monte de taras, que estranho calafrio quando o que encontram é de fato um baú com poemas de verdade, algum retalho muito simples de infância ou alguma dor profunda, cujo dono, por cautela de mestre oriental, soube esconder dos outros a vida inteira como se a ninguém além dele pudesse um dia fazer mal. Que constrangimento se quem invade o claustro alheio encontra um canteiro luzindo de flores brancas enquanto seu próprio pátio interno se ressente de excesso de espera e nenhuma gota d’água.
Mariana Ianelli

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