domingo, maio 8

Assim começa o livro...

O menino era louro, de cabelo escorrido e olhos azulados. Azuis propriamente, não. “Tem olhos cor do céu”, diziam as más-línguas, mas não era verdade. Azulados e não azuis, as insinuações a respeito da paternidade do Gringo não passavam de baixa exploração de gente maldosa, pronta a maliciar a propósito de um tudo ou de um nada.

Era fácil, aliás, desmascarar o boato, exibir sua falsidade: o Gringo era completamente desconhecido na fímbria do cais, não havia ainda desembarcado ninguém sabe de onde, com sua persistente e silenciosa cachaça e seus olhos azul-celeste, quando Benedita parira o menino e o andara exibindo pela vizinhança. Além do mais, mesmo depois, jamais se observava o Gringo e Benedita em chamegos um

com o outro, sendo provável até nem se conhecerem, pois a embusteira, após a inesquecível aparição e a perturbadora permanência de uns meses entre eles, partira de vez, tendo reaparecido apenas quando veio deixar o menino. E ainda assim sua demora foi nenhuma, o tempo de largar o coitadinho, avisar que ainda não estava batizado, nem para isso tivera ela condições e posses, e novamente sumir sem deixar endereço nem rastro a indicar seu destino. Alguns

anunciavam seu definitivo retorno ao estado de Alagoas, de onde era proveniente, e sua morte por lá, mas tais informações careciam de provas concretas.

Baseavam-se no lastimável estado físico de Benedita, ao voltar. Um trapo, magra, as faces comidas, os ossos furando a pele, a tosse constante. Por que diabo trouxera a criança e a largara ali, em mãos do negro, se não fosse a certeza de estar condenada? Porque, segundo as informações da

vizinhança, de Benedita podia-se dizer quanto se quisesse: leviana, inconstante, mentirosa, bêbada, cínica — só de uma coisa não podia ela ser acusada: de mãe desnaturada tão madrasta a ponto de abandonar o filho com um ano incompleto. Ah!, se havia mãe boa e devotada, era igual a Benedita, melhor não. Desvelada, de um amor até exagerado,

de um devotamento sem medidas. Quando o pobrezinho tivera uma infecção tola de intestino, Benedita passara noites e noites sem dormir, a chorar e a velar o sono do filho doente, um sobressalto a renovar-se a cada catarro, a cada dor de barriga do neném.

Ao nascer o pequeno, ela pensara inclusive em largar a vida e em se empregar de copeira ou em meter-se a lavar e a engomar. Até fome passava para nada faltar ao seu menino. Vestia-o com bordados e rendas caras, trazia-o nuns trinques de ricaço, parecia filho de capitalista.

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