sexta-feira, abril 29

Para quem não gosta de ler

No último sábado, 23 de abril, comemorou-se o Dia Mundial do Livro, criado pela Unesco para encorajar as pessoas, especialmente os jovens, a descobrir os prazeres da leitura e a conhecer a enorme contribuição dos autores de livros através dos séculos. A data foi escolhida pelo fato de que, neste dia do ano de 1616, morreram Miguel de Cervantes, William Shakespeare e Garcilaso de la Vega. Outros escritores importantes também nasceram ou morreram em 23 de abril, como Maurice Druon, Vladimir Nabokov, Manuel Mejía Vallejo e Josep Pia.

Viajantes Literários:
Tenho íntima relação com os livros e não poderia deixar de aproveitar o espaço desta coluna para comemorar a data. No entanto, tomado pelo espírito da festividade, direciono este texto não aos meus pares — aqueles apaixonados por livros, que devoram as páginas para mergulhar em um novo mundo —, mas sim àqueles que não gostam de ler; que acham chato, monótono ou perda de tempo. Faça ao menos um esforcinho e chegue ao final deste texto. Quem sabe assim a gente não tem uma boa conversa?

Antes de tudo, é importante dizer que eu o entendo. Mais do que isso, até meus 13 anos, eu era como você: havia lido apenas alguns livros obrigatórios do colégio e não extraía qualquer prazer daqueles clássicos. Conhecimento eu até extraía, vá lá, mas ninguém gosta de conhecimento sem algumas doses de diversão aos 13 anos de idade. Nesta coluna, já escrevi sobre como as leituras escolares são grandes responsáveis pela formação de não-leitores no Brasil. Não pretendo me repetir. Mas, apenas para retomar o conceito, acredito que os principais erros estão no momento e na abordagem das leituras escolares.

Não há dúvidas de que Machado de Assis e Guimarães Rosa escreveram grandes livros, mas não canso de me perguntar se esses livros deveriam ser lidos por leitores ainda “virgens”, em processo para adquirir o hábito de pegar um livro e ler por vontade própria. A meu ver, o correto é que aquele que não gosta de ler comece por um texto mais simples, mais divertido, e, aos poucos, chegue a autores mais complexos e ricos na linguagem e no tema.

Em geral, esta caminhada inicial pelo mundo da literatura fica mais fácil quando encontramos um guia experiente. Não tenho dúvidas de que existe o livro certo para cada leitor — você pode achar chata aquela história de fantasia, mas se deliciar com aquela de terror ou com outra que narra uma saga familiar. Há os que preferem uma linguagem mais seca e direta, e há os que se encantarão com textos poéticos e rebuscados. A literatura abraça um mundo absolutamente democrático, repleto de possibilidades. Basta procurar com atenção até encontrar seu livro-alma-gêmea.

Quando eu tinha 12 anos, num fim de semana chuvoso, minha tia-avó Iacy me entregou um exemplar de “Um estudo em vermelho”, do Conan Doyle. Decidi ler mais pelo carinho que nutria por ela do que pela vontade de enfrentar o livro. Naquela madrugada, minha vida mudou. Meu interesse pela literatura nasceu (em especial, pela literatura de mistério) e decidi que seria escritor.

Naturalmente, não é assim que acontece com todo mundo. Em casa, meus pais não gostavam de ler e não compravam livros. Com o passar dos anos, decidi ser o guia de minha mãe. Comecei com os romances de Martha Medeiros e Walcyr Carrasco: leves, divertidos e gostosos de ler. Aos poucos, sem cobranças, entreguei livros de Amóz Óz e Italo Calvino — e ela também os devorou. Foi assim que conquistei uma nova leitora lá em casa.

Com meu pai, não foi tão fácil. Apresentei literatura policial: muito violenta. Literatura fantástica: muito surreal. Literatura romântica: muito água com açúcar. Biografias: muito detalhamento. Então, decidi atacar pelos assuntos de que ele mais gostava: turismo, samba e cervejas. Consegui um guia do Rio de Janeiro com pegada literária, que foi rapidamente devorado. Agora, dei de presente “Desde que o samba é samba”, de Paulo Lins. Vamos ver no que vai dar.

Conheço, ainda, muita gente que adorava ler na infância e na adolescência, mas acabou perdendo o hábito, sugado pelos compromissos. É claro que a vida adulta devora nosso tempinho de lazer, mas sempre dá para encontrar um jeito de voltar aos livros — nem que seja cortando um pouco as horas gastas nas redes sociais. Por isso, para comemorar o Dia Mundial do Livro, quero propor um desafio a vocês.

Àqueles que costumavam ler, mas perderam o hábito, que passem na livraria mais próxima e comprem o lançamento que chamar sua atenção. Comecem a ler nesta mesma noite (e tentem terminar até meados de maio, no máximo!).

A quem já gosta de ler, o desafio é outro: nas próximas semanas, conquiste um novo leitor. Seja paciente e evite a imposição. Ler deve ser prazeroso, antes de tudo. Busque indicar gêneros que vão ao encontro do perfil do leitor. Perguntar quais seus filmes e músicas favoritos costuma ajudar a encontrar o livro ideal.

Por fim, o desafio aos que não gostam de ler: permita-se viver essa experiência. Comece por algum livro cuja história o atraia. Se não gostar, pule para outro, sem medo de largar no meio. Experimente livros de todos os gêneros e estilos, desde suspense até poesia. Existe um universo incrível a ser desvendado. Vá em frente sem medo de ser feliz!

Raphael Montes

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