sábado, abril 2

Assim começa o livro...

Há muitos anos, vivia em Zuchnow um homem chamado Mendel Singer. Piedoso, temente a Deus e em nada extraordinário, era um judeu comum. Em sua casa, constituída apenas de uma cozinha espaçosa, exercia o singelo ofício de professor, transmitindo o conhecimento da Bíblia a crianças. Ensinava com fervor sincero e sem qualquer sucesso espetacular. Centenas de milhares antes dele tinham vivido e ensinado de maneira igual.

Insignificante como seu próprio ser, era seu rosto pálido. Uma barba cerrada, de um preto comum, emoldurava-o por completo, escondendo a boca. Os olhos eram grandes, negros, indolentes e semi-encobertos pelas pálpebras pesadas. Sobre a cabeça, assentava-se um solidéu de repes preto, tecido de que às vezes são feitas gravatas baratas de aspecto antiquado. O corpo metia-se num típico cafetã judaico da região, de meio comprimento, cujas fraldas esvoaçavam quando Mendel Singer se apressava pelas ruas, batendo com firmeza regular nos canos das botas altas de couro.

Singer parecia ter pouco tempo e uma infinidade de providências e propósitos urgentes. Decerto, sua vida era de dificuldades constantes e, por vezes, até mesmo um tormento. Precisava vestir e alimentar a mulher e três filhos (e a mulher estava grávida de um quarto). Deus lhe concedera fecundidade, calma no coração e, às mãos, pobreza. Eles não tinham ouro a pesar nem notas de dinheiro para contar. Contudo, a vida seguia adiante, incessante e persistente como um pequeno e pobre riacho entre margens áridas. Toda manhã, Mendel agradecia a Deus pelo sono concedido, pelo despertar e pelo dia nascente. Quando o sol se punha, rezava de novo. E, ao cintilar das primeiras estrelas, rezava pela terceira vez. Antes de se deitar, com lábios cansados mas fervorosos, murmurava ainda uma prece apressada. Seu sono era vazio de sonhos. Tinha a consciência limpa. Sua alma era casta. Não precisava arrepender-se de nada, e nada havia que tivesse cobiçado. Amava a mulher e deleitava-se em sua carne. Com uma fome saudável, consumia as refeições com rapidez. Batia nos dois filhos pequenos, Jonas e Schemariah, pelas desobediências cometidas. A mais jovem, porém, Miriam, acariciava e mimava com freqüência. Os cabelos dela eram pretos como os seus, assim como os olhos, negros, doces e indolentes. Seus membros eram delicados, as articulações, frágeis. Uma jovem gazela.

Mendel ensinava doze alunos de seis anos de idade a ler e a memorizar a Bíblia. Toda sexta-feira cada um deles lhe trazia vinte copeques, e essa era sua única receita. Mendel Singer tinha apenas trinta anos. Mas suas perspectivas de ganhar mais eram reduzidas, quando não inexistentes. À medida que iam ficando mais velhos, os alunos procuravam outros professores, mais sábios. A vida encarecia de ano para ano. As colheitas tornavam-se cada vez mais pobres. As cenouras minguavam, os ovos eram ocos, as batatas congelavam, as sopas iam ficando aguadas, as carpas, finas, os lúcios, mirrados, os patos, magros, os gansos, duros e as galinhas, um nada.

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