sexta-feira, fevereiro 19

País de heróis sem leitura

Articulistas sempre estão em busca de algum tema, e às vezes, procurando por um, acabam se deparando com outro. Repetidamente, até as descobertas cientificas, acontecem deste jeito. Este aqui nasceu assim: pensava em escrever sobre um tema e o desenrolar dele me levou a fazer novas perguntas, e acabei descobrindo outras coisas que estavam fora do escopo original. E, a despeito de atuar no mercado editorial por tanto tempo, elas ainda me pegaram de surpresa. Talvez façam o mesmo com você.

O tema que abordo hoje é a falta de uma cultura da leitura. Para isso, escolho para a reflexão a forma como tem-se criado “campanhas para a promoção da leitura”.

As poucas vezes que surgem essas campanhas de incentivo à leitura, seja no rádio, revistas ou na TV, quase sempre acontece uma variação sobre o mesmo tema. Primeiramente escolhem um influenciador. São chamados para capitaneá-la alguém do meio artístico num destes grupos:
a)Um artista consagrado de TV ou de teatro;
b)Um autor de livros que circula nos principais cadernos de cultura;
c)Um apresentador de TV de programa cultural/jornalístico.

Pense você em três personagens que pode ter visto encampando estas campanhas nos itens a, b e c.

1, 2, 3...

Antes de pedir uma reflexão, deixe-me lembrar sobre qual era a proposta: promover o hábito de leitura para quem não o tem. E daí, pergunto: estes personagens podem ser um exemplo a ser seguido pelo público-alvo? Será que são o melhor elo de comunicação com o público que NÃO lê. (Porque é uma campanha de incentivo à leitura, não para reafirmar o valor da literatura para quem já lê, certo?)

Provavelmente você chegará a conclusão de que, por mais credibilidade que tal personalidade tenha, ela não se comunica com, por exemplo, crianças de escola pública de periferia.

Quem seria então um bom influenciador?

Quando é preciso fazer uma escolha de representante para estrelar uma grande campanha de um produto são feitos estudos meticulosos, caríssimas pesquisas de opinião com o público-alvo. Isso não o teremos, afinal, trata-se de livro, veículo continuamente desprestigiado neste país e que não vai trazer retorno financeiro direto a empresas e raros foram os governos a tentar tratar a educação com alguma seriedade. Então, vou arriscar um palpite que me parece óbvio: o caminho seria partir para os heróis desse público hoje: cantores populares, jogadores de futebol, jovens ídolos.

Vimos tentando por décadas usar um ator consagrado de teatro e levá-lo para convencer as pessoas que não leem e nem vão ao teatro de que a leitura é um caminho de ascensão social, de dignidade, respeito. É uma tentativa cheia de boas intenções, mas carregada equívocos e talvez muito idealizado. Ora, se buscamos incentivar quem não lê por que se oferece o modelo clássico? Porque não oferecer o novo?

Imagine trocar um Paulo Autran ou Serginho Groisman por Neymar? Ou Cid Moreira por Anitta ou McGuinê? Vejo daqui uma torcida de nariz, mas continue.

Se estamos tentando “pescar” quem não lê, quem traria melhor repercussão? Não se aborreça ainda. Se você está lendo este artigo é porque não precisa de incentivo novo para ler.

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