sábado, novembro 21

Hipopótamo na Costa do Cacau

Arnon Miquiazi, viúvo sem filhos, sanitarista municipal aposentado, era um homem totalmente integrado à natureza. Preocupado com as questões ambientais, filiou-se ao Partido Verde. Residia numa casa banhada de luz no verão, situada no bairro próximo ao pequeno bosque, que ele costumava visitar na semana. Ali ficava contemplando o ambiente formado de árvores frondosas, penetradas dos raios solares, que inventavam aranhas de ouro descendo pelos troncos. Encantava-se com plantas e flores. Comovido ficava horas ouvindo o canto dos passarinhos.

Defensor ferrenho da fauna e flora de nossa Mata Atlântica, desfalcada de maneira vil pelas agressões seculares do bicho-homem. Tinha uma paixão especial pela onça, rainha dos bichos na selva brasileira, nos últimos anos vítima de matança desenfreada por caçadores inescrupulosos. Uma lástima.

Vibrou quando descobriu na internet o Resort Olivença Hotel. Fora construído em uma área grande na Costa do Cacau, dentro de um exemplar conceito ecológico. Entre o mar, com suas ondas verdes e azuis, uma praia belíssima, e a Mata Atlântica. O Resort Olivença podia ser considerado como um Éden situado entre o mar e a mata com árvores nativas, dizia o anúncio que aparecia na internet, sustentado por um grande mico-leão. Sua área ecológica era constituída de trilhas temáticas, árvores frutíferas, plantas medicinais, fauna e flora diversificadas, Recanto das Cabras, Ilha das Araras e Casa do Tarzan na copa das árvores.

Adversário contumaz do insaciável bicho-homem, o destruidor milenar da natureza, o funcionário público aposentado aproveitaria os dias que passasse no Resort Olivença para conhecer todos os atrativos naturais do bosque ecológico. Quando deparou na internet com aquele mico-leão risonho, convidando-o para passar as festas do final do ano no Resort Olivença, não hesitou e fez a reserva do pacote para dez dias. Tratava-se de um hotel que há muito ele sonhava para manter um contato direto e saudável com a Mata Atlântica. Embora tivesse em Brasília o pequeno bosque para visitar quando quisesse, estava cansado com os ares da cidade, a monotonia de nuvens cinzentas pesadas quando chegava o inverno, a expansão imobiliária de edifícios que surgiam todos os meses, enfim, a vida crescendo entre prédios, cada vez mais movimentada com os carros no asfalto das ruas. Queria ficar alagado de azul só de ver o mar. Ficar molhado com a pureza do verde só de caminhar nas trilhas por entre árvores nativas da Mata Atlântica. Admirar o mico-leão e, quem sabe, filmar de longe alguma onça, em seus passos macios e ladinos, de preferência a pintada, embora admirasse também a suçuarana e a temível lombo-preto, conhecida como pantera.

No seu primeiro dia como hóspede do Resort Olivença tudo ia muito bem. Teve uma surpresa desagradável pela tarde, ao retornar do banho de mar. Foi tirar o sal do corpo no chuveirão externo perto da piscina. Lá estava aquele bicho pesado, corpo achatado, orelhas diminutas, pernas curtas, que nada tinha a ver com o ambiente da nossa Mata Atlântica. Controlou-se para não explodir com tanta raiva que concentrou no corpo.

Arrumou a mala. Disse na recepção:

– Ontem à noite cheguei e hoje à noite retorno. Não fico mais aqui nem que minha mãe me peça ajoelhada.

A dona do Resort foi chamada às pressas. Ela perguntou:

– O senhor foi tratado mal?

– Minha senhora, eu vim de Brasília para encontrar aqui bichos da Mata Atlântica. Bichos vivos, observou, de cara enfezada. – Podia ser até bicho em escultura ou no quadro pintado a óleo – prosseguiu -, com o registro educativo ao lado, na tabuleta, informando ao visitante que a espécie está em extinção, se fosse o caso, devendo ser preservada.

– Isto nós já fazemos com o nosso querido mico-leão de cara dourada, o mais procurado aqui pelos contrabandistas de animais.

– Mas devia fazer também com a nossa ladina onça, considerada a nossa majestade insubstituível da selva brasileira! – vociferou.

Depois de pagar a conta:

– Colocassem a onça em uma escultura digna e não um hipopótamo junto do chuveirão, aquele bicho feio, desajeitado, que nem é do nosso ambiente aquático nem terrestre, vivendo lá na África na vida que pediu a Deus. Bicho que muito brasileiro nem faz idéia do que ele é, onde vive e como faz o coito dentro da água para reproduzir sua espécie.

Completou.

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