quarta-feira, novembro 25

Eu fumava muito

“Escrever é, para mim, um prazer complementar ao prazer de fumar”, dizia Julio Ramón Ribeyro, e para mim também era assim: eu podia fumar sem escrever, sem problemas, mas não podia escrever sem fumar. Por isso, quando parei de fumar, no começo de janeiro, achei que corria o risco de nunca mais escrever. Não sei se sou bom escrevendo, mas sei que fumando eu era um dos melhores. Sem exagero: eu fumava muito bem. Fumava com naturalidade, fluidez, alegria. Com extrema elegância. Com verdadeira paixão.


Tampouco podia ler sem fumar. Por isso nunca fui capaz de ler ou escrever em aviões e ônibus. Já fiquei bastante tempo sem escrever, mas não lembro de ter lido tão pouco como nesse verão. Era algo de que eu realmente precisava, pois, como eu disse, eram atividades muito ligadas: lá pelos onze ou doze anos eu já havia me tornado, quase simultaneamente, um leitor voraz e um fumante muito promissor.

Nos primeiros anos de faculdade eu logo construí um vínculo mais forte entre a leitura e o tabaco. Nessa época o poeta Kurt Folch lia Heinrich Böll e eu, que sempre imitava Kurt, fui atrás do Pontos de vista de um palhaço, belo romance em que os personagens fumam o tempo todo, acho que em todas as páginas, ou pelo menos em uma página sim, outra não. E cada vez que eles acendiam um cigarro eu fazia o mesmo, e era como se eu estivesse participando do romance. Talvez seja a isso que os críticos literários se referem quando falam do leitor ativo, pensei, um leitor que sofre junto com os personagens e se alegra quando eles ficam felizes, e que sobretudo fuma quando eles fumam.

Não seria estúpido a ponto de dizer que virei fumante ‘por culpa’ do Heinrich Böll. Não: foi graças a ele

Continuei lendo Böll com a certeza de que cada vez que alguém fumasse nos seus livros eu também o faria. Acho até que em Sinuca às nove e meia e em E não digo nem uma palavra (como esse é bom), e em Casa sem dono (que triste), os romances de Böll que li em seguida, se fumava mais do que em Pontos de vista de um palhaço. Foi aí que me tornei um fumante compulsivo. Para ser mais preciso, um fumante profissional. (Não seria estúpido a ponto de dizer que virei fumante “por culpa” do Heinrich Böll. Não: foi graças a ele).

Quando deixei o cigarro lembrei, com certo temor, de uma conversa que tive há uns dois anos com meu amigo Andrés Braithwaite (um dos fumantes mais dedicados que conheço), no período em que ele havia deixado nosso nobre vício. Lembrei que em certo momento Andrés me disse, desolado: “ Agora tudo ficou infinitamente mais chato”. Me falou especialmente sobre a leitura: disse que sem fumar nenhum livro era bom, que não conseguia achar graça na leitura. Meses depois, quando o vi de novo, estava rejuvenescido, mais bonito. Ele acendeu um cigarro e, olhando-me nos olhos, disse: “Estou reabilitado”. Coincidentemente, meu amigo falou nessa tarde sobre autores fabulosos que tinha descoberto, e romances desconhecidos e poemas geniais.

Não vou explicar aqui os motivos que me fizeram parar de fumar. Basta dizer que têm a ver com covardia e ambição. De repente descobri que queria viver mais. Que coisa mais absurda essa: querer viver mais. Como se a gente fosse, por exemplo, feliz. Enfim. Deixei de fumar e na semana seguinte, quando sentei em frente ao computador para escrever minha coluna, não consegui. Fiquei dez horas tentando me concentrar. Esperei até o último minuto, na ilusão de que, aos 47 do segundo tempo, aconteceria alguma mágica, mas nada. Muito envergonhado, avisei meus editores, que foram bastante compreensivos. Sinceramente pensei que nunca mais escreveria ou leria nenhuma linha. Mas, como se vê, essa história termina bem. Por sorte, aos poucos consegui. E estou orgulhoso. Voltei a ler e escrever. E a fumar.

Alejandro Zambra (Tradução de Daniel Benevides)

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