sábado, novembro 21

A antinarrativa

É uma pena, mas a verdade é que, no Brasil, pega mal fazer algo simples, emocionante e divertido. Na literatura, por exemplo, a ideia vigente é a de que o livro que diverte é necessariamente subliteratura. E, em via oposta, o livro que não diverte, aquele impenetrável, um eterno marasmo entre as linhas, é necessariamente literatura de qualidade. Os dois extremos estão errados. Não é ruim que uma obra seja divertida, só é negativo que ela sejaapenas divertida. A literatura que só diverte, sem trazer nada além, funciona como um jogo de palavras cruzadas, um quebra-cabeça — mero passatempo descartável. A literatura pode muito mais. Ao mesmo tempo, é bom lembrar que divertir não é demérito. Fazer literatura de qualidade não é escrever livros chatos. Literatura de qualidade é aquela que, além de trazer elementos interessantes, experimentações de linguagem e reflexões pertinentes, consegue divertir seu leitor, fazê-lo mergulhar naquele universo. A dificuldade está justamente aí: escrever algo com conteúdo e que entretenha.

huariqueje:



Vilma Reading on a Sofa   -   Tavik Frantisek Simon  1912Czech 1877-1942
Tavik Frantisek Simon
Naturalmente, cada arte tem suas peculiaridades e seus instrumentos próprios. Na literatura, a “arma” do escritor é a linguagem. O escritor que apenas se preocupa em contar uma boa história, sem aprofundar as possibilidades de linguagem, está perdendo a essência de sua narrativa. Em lado oposto, o escritor que apenas se preocupa em burilar a linguagem, com firulas semânticas e jogos de palavras, sem se importar em contar uma boa história, mais parece estar preocupado em alimentar seu ego e ser finalista de prêmios. Na história da literatura brasileira, em algum momento, criou-se a noção de que diversão e qualidade são elementos obrigatoriamente dissociados: o que diverte não tem qualidade, o que tem qualidade não diverte. Nessa lógica deturpada, onde se situam autores como Machado de Assis, Pedro Nava e Jorge Amado? Teríamos que assumir que “Memórias póstumas de Brás Cubas”, por exemplo, é um livro de qualidade literária que não diverte ou que é um livro divertido, mas sem qualquer profundidade artística. Ambas as ideias são absurdas. Machado unia os dois lados e, assim, fazia boa literatura. Para citar outro mestre, Nelson Rodrigues: “Só eu sei o trabalho que me dá empobrecer os meus diálogos”.
Raphael Montes

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