domingo, julho 19

A primeira vez, quem se lembra?

Abrir um livro é muito fácil. Folhear as páginas, mais ainda. O grande e mais importante gesto é começar, cumprir o ritual de leitor. Quem se lembraria da primeira vez?

Há muito a primeira vez se perdeu pelo tempo. Mas restam ainda migalhas da voracidade em que a juventude caçava nas livrarias o melhor petisco para saborear mais tarde, bem acomodado. O volume carregado como um bem mais precioso, a ansiedade de desembrulhar e começar o ritual de revelar o presente, pois não deixava de ser presente aquele livro (ou livros, quando o dinheiro dava para satisfazer tanta curiosidade). Para ele, ou eles, dedicaram-se horas de trabalho e de espera, uma riqueza de tempo perdido para leitura, mas necessário para se conquistar esse troféu de vitória debaixo do braço. 

O prazer de pela primeira pegar aquele livro e conhecê-lo como objeto antes de desfrutá-lo como literatura. Animalescamente era preciso cheirar seu miolo. Cada editora tinha um cheiro diferente, as estrangeiras então eram de se deliciar o olfato.

Depois o olhar vagueando pelas capas, passeando pelas orelhas, passando a folha de guarda, indo para a folha de rosto e aí o prefácio, o prólogo, quando existia. Era assistir a um triller no escurinho do cinema.

E vinha o mais esperado momento, aguardado com ansiedade sem pipoca para atrapalhar. Por exemplo podia começar assim :“Em nossa casa temos uma mesa, quatro cadeiras e mais a eternidade."
(A crença dos ladrões Michel Chaillou) 

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