domingo, junho 28

Assim começa o livro...

Filho da tempestade, irmão do raio,
Lança teu grito ao vento da procela.
No agreste sertão, amiga, aconteceu uma história de amor. Longe das grandes cidades, nas terras bravias do Nordeste, as paixões, os instintos e os preconceitos medravam e cresciam paralelamente. Era a caatinga em torno, as fazendas feudais, os homens vestidos de couro, uma lei primária dominando. Um código de honra nascera no sertão e ainda hoje, cem anos quase passados sobre essa história, ele existe no coração dos senhores das fazendas e no coração dos cangaceiros. O sertão cria homens fortes e mulheres belas e cria também devoradoras paixões no mais tímido peito da mais recatada donzela que vivera até então escondida no labirinto das casas-grandes. As mais tímidas mulheres do sertão quando chega o seu momento de amor são fortes como o mais corajoso cabra de Juazeiro. É a caatinga que as faz assim. Léguas e léguas de mato que não é vegetação, é puro espinho que rasga os pés, os braços e o peito. Quem nasceu na caatinga, viu o mugir triste dos bois nos mais tristes crepúsculos, cresceu ouvindo histórias de secas e de cangaceiros, assistindo a duelos de punhal e a amansamentos de touros bravios, aprendendo que a vida é feita para ser vivida valentemente, quem vive o anônimo heroísmo diário do sertão, é capaz até de se levantar e 18 lutar contra o código de honra que o próprio sertão criou. A força do amor se junta à força que vem da braveza da terra. Aí nascem os cangaceiros célebres e as mulheres que pelo amor abandonam tudo, lar e família, conforto e honra. Aí nasceu Pórcia, a que se consumiu no amor de Leolino, heroína do mais dramático idílio do sertão. Aí nasceram os Castros, os Canguçus, os Mouras e os Medrados, donos do sertão e zeladores do seu código de honra. Aí nasceu também Castro Alves, filho de Clélia Brasília, irmã de Pórcia. Aquele que havia de cantar uma a uma as belezas do sertão e os sentimentos dos sertanejos nasceu quando a tragédia de sua tia alcançava o seu fim.

Castro Alves nasceu sob o signo do amor mais livre, dos instintos lutando contra os preconceitos, do homem procurando a sua felicidade contra tudo e contra todos. No ano em que o sertão vivia a sua mais intensa história de amor e sangue, em que toda a terra da caatinga, desde o Paraguaçu ao São Francisco, estremecia aos gritos de vingança dos Canguçus e dos Castros, quando o tropel dos cavalos anunciava o começo dos tiroteios, quando, na quietude das noites mornas, o punhal descia sobre a garganta ou o peito de um Moura, quando Exupério, irmão de Leolino, se celebrizou como dono da mais certeira pontaria de todas aquelas terras, quando o sertão assistia às mais espantosas cenas de crueldade e de coragem, e, quando a caatinga ouviu dos lábios amantes de Pórcia e Leolino as mais doces palavras de amor, os queixumes, os risos e suspiros de amor que o vento levava em direção ao mar, no ano em que a força livre do amor se levantou contra a lei dos homens estabelecida no sertão, nesse ano nasceu Castro Alves.

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