quarta-feira, abril 29

Os dias

Alguns dias depois de ter tomado posse da suntuosa mansão, Ernst Kazirra, ao voltar para casa, viu de longe um homem que, com uma caixa nos ombros, saía por uma portinha secundária do muro e colocava a caixa num caminhão.

Não conseguiu alcançá-lo. Então tomou o carro para segui-lo. E o caminhão rodou por muito tempo até a extrema periferia da cidade, parando à beira de um profundo vale.
Kazirra desceu do carro e foi ver o que estava acontecendo. O desconhecido tirou uma caixa do caminhão e, após ter dado alguns passos, atirou-a no barranco que estava cheio de milhares e milhares de caixas iguais.

Aproximou-se do homem e disse:
-- Vi que você tirou aquela caixa do meu jardim. O que tinha lá dentro? E o que significam todas estas caixas?

O homem olhou-o e sorriu:
-- Ainda tenho mais no caminhão, para jogar fora. Não sabe? São os dias.
-- Que dias?
-- Os seus dias.
-- Os meus dias?
-- Os seus dias perdidos. Os dias que você perdeu. Você esperava por eles, não esperava? Eles vieram. E o que você fez com eles? Olhe, eles estão intatos, ainda cheios. E agora...

Kazirra olhou. Formavam um monte imenso. Desceu pela escarpa e abriu um.

Havia lá dentro uma estrada de outono e, longe, Graziella, sua noiva, que ia embora para sempre. E ele nem a chamava.

Abriu uma segunda caixa. Havia um quarto de hospital e, na cama, seu irmão Giosuè, que estava muito mal e o esperava. Mas ele estava viajando a negócios.

Abriu uma terceira caixa. No portãozinho da casa velha e pobre, via Duk, o fiel mastim, que o esperava havia dois anos, reduzido a pele e osso. E ele nem pensava em voltar.

Sentiu alguma coisa aqui, na boca do estômago. O carregador mantinha-se ereto à beira do vale profundo, imóvel como um justiceiro.

-- Senhor! – gritou Kazirra. – Ouça-me. Deixe-me ficar com pelo menos este três dias. Suplico-lhe. Pelo menos estes três. Sou rico. Dou tudo o que quiser.

O carregador fez um gesto com a mão direita, como se indicasse um ponto inatingível, como se quisesse dizer que era tarde demais e que nenhum remédio seria possível. Depois esvaiu-se no ar e, nesse momento, desapareceu também o gigantesco monte de caixas misteriosas. E caía a sombra da noite.

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