sábado, abril 11

O 'bicho' de Kafka completa 100 anos

Em novembro de 1912, Max Brod, o amigo íntimo que desobedeceu a ordem de Franz Kafka de queimar todo os seus escritos depois que tivesse morrido, escreveu a Felice Bauer, noiva do escritor. Tentou explicar que o autor passava um mau período e que seus pais não eram conscientes de que para um ser excepcional como ele “são necessárias condições igualmente excepcionais”.Esse ser excepcional, frágil, tremendamente nervoso, e básica e fundamentalmente obssediado pela literatura, escreveu entre 17 de novembro e 7 de dezembro de 1912 uma das obras primas da literatura de todos os tempos. Foi publicada pouco anos depois, em 1915, e assim se celebra um século daquela singular história que se inicia quando o representante comercial Gregor Samnsa, “depois de despertar de um sonho intranquilo”, descobriu que havia se transformado em “um monstruoso bicho”. 


Capítulo I

Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.

- O que aconteceu comigo? - pensou.

Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem conhecidas.

(...)

Mas quando enfim estava com a cabeça diante da abertura da porta, feliz, verificou que seu corpo era demasiado largo para passar sem mais por ela. Ao pai, naturalmente, na sua condição atual, não ocorreu nem mesmo remotamente abrir a outra folha da porta, para oferecer a Gregor passagem suficiente. Sua idéia fixa era simplesmente que Gregor voltasse o mais rápido possível para o quarto. Jamais teria permitido os preparativos minuciosos de que Gregor necessitava para levantar-se e, talvez desse modo, passar pela porta. Ao invés disso, impelia agora Gregor com um ruído excepcional, como se não existisse nenhum obstáculo; a voz atrás dele já não soava como a de um pai apenas; realmente já não era uma brincadeira e Gregor forçou - acontecesse o que quisesse - a entrada pela porta. Um lado do seu corpo se ergueu, permaneceu torto na abertura da porta, um dos seus flancos se esfolou inteiro, na porta branca ficaram manchas feias, ele logo se entalou e não poderia mais mover-se sozinho - as perninhas de um lado pendiam trêmulas no ar, as do outro comprimiam-se doloridas no chão - quando o pai desferiu, por trás, um golpe agora de fato possante e liberador e ele voou, sangrando violentamente, bem para dentro do seu quarto. A porta foi fechada ainda com a bengala, depois houve por fim silêncio.

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