domingo, abril 19

Ler na praia

"Jovem lê na praia", Pablo Picasso (1881-1973)

Não é assim tão fácil ler na praia. Deitados de costas, é quase impossível. O sol ofusca, é preciso manter na extremidade dos braços o livro sobre a cara. É bom durante alguns minutos, e depois voltamo-nos. De lado, apoiados num cotovelo, a mão pousada contra as têmporas, a outra mão mantendo o livro aberto e virando as páginas, é também bastante desconfortável. Então acabamos de barriga para baixo, com os dois braços dobrados diante de nós. Ao nível do solo há sempre um pouco de vento. Os pequenos cristais de mica insinuam-se na encadernação. Sobre o papel acinzentado e ligeiro dos livros de bolso, os grãos de areia amontoam-se, perdem o brilho, fazem-se esquecer - é apenas um peso suplementar que dispersamos negligentemente ao fim de algumas páginas. Mas sobre o papel pesado, granuloso e branco das edições originais, a areia insinua-se. Difunde-se sobre as asperezas cremosas e brilha aqui e ali. É uma pontuação suplementar, um outro espaço aberto.

O tema do livro também conta. Obtemos belas satisfações a jogar com os contrates. Ler uma passagem do Diário de Léautaud em que ele vilipendia precisamente os corpos amontoados sobre as praias da Bretanha. Ler À Sombra das Raparigas em Flor e reconciliarmo-nos com um mundo balnear de chapéus de palha, sombrinhas, e de saudações destiladas à antiga. Mergulhar debaixo do sol no infortúnio chuvoso de Oliver Twist. Cavalgar à d'Artagnan na pesada imobilidade de Julho.

Mas trabalhar "na cor" também é bom: esticar até ao infinito O Deserto de Le Clézio no seu próprio deserto; e então entre as páginas a areia dispersa atinge segredos de tuaregue, sombras lentas e azuis.

A ler demasiado tempo com os braços estendidos diante de nós, o queixo enterra-se, a boca bebe a praia, então reerguemo-nos, braços cruzados contra o peito, uma só mão deslizando a intervalos para virar as páginas e mascá-las. É uma posição adolescente, porquê? Ela puxa a leitura para uma amplitude um tudo-nada melancólica. Todas estas posições sucessivas, estes ensaios, estas lassidões, estas voluptuosidades irregulares, é a leitura na praia. Temos a sensação de ler com o corpo.

Philippe Delerm, em "O primeiro gole de cerveja e outros prazeres minúsculos" 

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