sábado, fevereiro 28

Da biblioteca para a fogueira

Razões políticas, religiosas e morais têm levado os livros à destruição desde sua origem, na Mesopotâmia, até os dias atuais, como no saque à Biblioteca de Bagdá
 A Biblioteca de Sarajevo depois do bombardeamento de 1992
Livros são potencialmente perigosos e, por isso, devem ser destruídos. A repulsiva idéia, que o escritor italiano Umberto Eco desenvolveu, de forma impecável, em seu popular romance O nome da rosa, de 1981, é na verdade muito antiga. Surgiu com os próprios livros, que aparecem pela primeira vez, feitos em argila, na Suméria, Mesopotâmia, onde é hoje o sul do Iraque. Guerras sucessivas os destruíram - perto de 100 mil deles, estimam os historiadores. Ainda assim, expedições arqueológicas desenterraram tabletas de argila que datam dessa época. Desde esses tempos remotos, o livro – em suas primeiras formas, tabletas, depois papiros, pergaminhos – está, sempre, sob ameaça.

A saga dessas agressões é relatada em História universal da destruição dos livros, do escritor venezuelano Fernando Báez. “Os que queimam livros acabam queimando homens”, escreveu o poeta Heinrich Heine. A história prova que sim. Báez participou da comissão da Unesco que, em março de 2003, visitou o Iraque depois da invasão americana, para investigar a devastação da Biblioteca Nacional de Bagdá. Ela sofreu dois ataques com bombas e mísseis, seguidos de dois violentos saques. Todo o acervo desapareceu. Tabletas de argila dos sumérios, de 5.300 anos, foram roubadas das vitrines.

“Mas a destruição da Biblioteca Nacional não teve a repercussão mundial da pilhagem do Museu Arqueológico de Bagdá”, Báez lamenta. Em um café da capital, a poucas quadras da biblioteca, ele ouviu o desabafo de um professor iraquiano. “Nossa memória já não existe.” A destruição de livros vem de muito longe. Em 1975, arqueólogos escavaram, a 55 km a sudoeste de Alepo, na Síria, os restos de um antigo palácio. O que encontraram? Uma biblioteca enterrada, com um acervo de 15 mil tabletas. A destruição foi conseqüência de um ataque militar inimigo, a respeito do qual os historiadores, ainda hoje, se encontram divididos; uns o atribuem ao rei acadiano Naramsin, outros ao rei Sargão. Três mil anos antes de Cristo, livros já eram dizimados pela guerra.

A devastação continuou, por volta de 2000 a.C., em uma região governada pelo rei Hamurabi, que é, hoje, o sul de Bagdá. Em 689 a.C., as tropas de Senaquerib arrasaram a Babiblônia. Seu neto, o soberano assírio Assurbanipal, o primeiro grande colecionador de livros do mundo antigo, fundou, em Ninive, outra esplêndida biblioteca, arrasada ela também décadas depois. De seus restos, no século XIX, arqueólogos desencavaram mais de 20 mil tabletas, hoje guardadas no Museu Britânico. No início do século XX, arqueólogos desenterraram na antiga Hattusa, a capital dos hititas, mais de 10 mil tabletas escritas, em pelo menos oito línguas diferentes. Também a biblioteca do Ramesseum, o templo que Ramsés II construiu em Tebas para lhe servir de túmulo, desapareceu com seus rolos de papiros esotéricos.

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