domingo, novembro 23

Na Biblioteca



O que não pode ser dito
guarda um silêncio feito
de primeiras palavras
diante do poema, que chega sempre demasiado tarde,

quando já a incerteza 
e o medo se consomem
em metros alexandrinos.
Na biblioteca, em cada livro,

em cada página sobre si
recolhida, às horas mortas em que
a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro,

as palavras dormem talvez, 
sílaba a sílaba,
o sono cego que dormiram as coisas
antes da chegada dos deuses.

Aí, onde não alcançam nem o poeta
nem a leitura,
o poema está só.
E, incapaz de suportar sozinho a vida, canta.

Manuel António Pina 

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