terça-feira, setembro 2

Sol vivo sobre livros


Entra-me o sol em força pelo escritório, embate-me numa das estantes e o máximo de interesse que sinto em mim é olhar para ele. Não é, em todo caso, uma atividade nula, porque um sol vivo sobre os livros é estranhamente belo. Só não sei porquê. Tento desvendar este mistério subtil e não consigo. Os livros iluminam-se de uma vida estranha, na sua estante branca, agora viva de cal, há neles uma individualidade a querer rebelar-se, encolhidos na sua humildade de serem. Tudo o que está dentro deles se me anuncia nas palavras que dizem e se eu prestasse mais atenção começavam a dizer. Encostados uns aos outros, não me parece confraternizarem, mas fecharem-se no seu tímido orgulho de serem diferentes, terem a consciência de que a sua palavra vale, de que, modestamente embora, têm coisas a comunicar-me. E brilham nas lombadas como numa face radiosa, adiantando-se com a sua pessoa que o sol lhes revelou. Breve a tarde virá e se recolherão de novo ao apagamento das sombras. Breve recolherão ao túmulo do seu abandono. Mas por enquanto estão vivos, rutilantes de luz, na gloríola de se evidenciarem, nítidos e resplandecentes. E eu os olhos por enquanto com um breve sorriso de tolerância e compreensão como toda a humildade que tem um momento de se manifestar...
Vergílio Ferreira 

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