terça-feira, maio 13

Entrevista imaginária com Claude Roy


Quando pega o livro para ler, qual sua impressão?
Ao pegar num livro, ao colocá-lo na prateleira, ou ao folheá-lo apressadamente em minha casa nas mesas, nas cadeiras, nas camas e tapetes, toda a espécie de livrarias, com horas de páginas entreabertas, de férias e de passeio, ocorre ao espírito.

Então gosta muito de livrarias? Elas fazem sonhar?
Gosto dos livreiros e das livrarias, e de encontrar na ponta dos dedos que voltam as páginas a preguiça sussurrante das longas pausas sob as galerias do Odeon, entre as prateleiras de alfarrabistas gigantes da Quinta Avenida em Nova Iorque, ou entre as montras de Brentano’s, ornadas de livros luzidios como caixas de conserva Libby’s, perto da Quinta Avenida, ou em Piccadilly, na grande Faber and Faber, de Londres, onde existem as mais belas prateleiras de livros infantis do mundo, ou no Fritze em Estocolmo, cuja vitrina é lacada como o casco de um iate que estivesse ancorado no Fredsgatan, ou no Mondadori, na Galeria de Milão (Peter Cheyney, em italiano, e Leonardo da Vinci, em inglês, acasalam bem nas prateleiras), ou então essa livraria de Laussanne, já desaparecida, que se encontrava ao lado de Pepiner como um refúgio de alta montanha para livros raros.

Há uma relação muito amorosa sua com o livro.
Gosto de que os livros partilhem minha vida, me acompanhem, flanem, trabalhem e durmam comigo, se misturem às venturas do dia e aos caprichos do tempo, aceitem encontros comigo em horas “impossíveis”, ronronem com a gata ao pé da minha cama, ou se espreguicem com ela sobre a grama, amassem um pouco suas páginas na rede de verão, se percam e se reencontrem.

Entre livros e pessoas o que escolheria?
Os livros são, para mim, muito mais amigos do que servidores ou senhores. Não misturo as pessoas e os livros, porque tento tratar os livros como eles me tratam, isto é, de homem para homens. Os livros são pessoas ou não são nada. Pessoas muitas vezes, simplesmente mais abertas (ou mais fáceis de abrir) do que as pessoas-pessoas.

Essa relação também existe com as bibliotecas?
Prefiro os magazines de onde se sai com seu amigo sob o braço, as grandes ou as pequenas livrarias, e os membros de sua família, “bouquineries”, livrarias especializadas, caixotes dos cais, feiras de livros usados em Lausanne, perto do Palais de Justice, ou em Moscou, sob as calçadas do Théâtre d’Art, e os depósitos de livros de segunda mão, ao fundo da Terceira Avenida, em Nova Iorque

Essas visitas às livrarias importam naturalmente em comprar. O senhor gasta muito em livros?
O dinheiro, seguramente, não faz a felicidade, mas ajuda a comprar livros. Eu regresso para casa, dia a dia, com mais alguns livros do que ela pode conter. Mas o amador de livrarias é como alguém que não pode deixar de convidar um hóspede inesperado à refeição improvisada: apertamo-nos um pouco, mas quando há para três, há para quatro. Morta é a casa onde não entram diariamente um livro e um novo visitante, novos amigos


O parisiense Claude Roy, pseudônimo de Claude Orland (1915/1997), escreveu romances, peças de teatro, literatura infantil, poesias e ensaios. Conviveu com Marguerite Duras, Edgar Morin, Jorge Semprun, Maurice Merleau-Ponty, Georges Bataille e Albert Camus. Os trechos da entrevista foram recolhidos de "Diário de Viagens", editora Prelo (1962) 

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